segunda-feira, 27 de julho de 2009

Atitude sistemática dos patrões a favor do arrocho da massa salarial nos leva a acelerar assinatura da Convenção 158 da OIT

Salário inicial cai em São Paulo, Rio e DF

(Postado por Moacyr Pereira) Os trabalhadores brasileiros e a UGT estão atentos e mobilizados contra o constante achatamento salarial imposto pela classe patronal como um método administrativo. A crise é apenas mais uma desculpa para arrochar ganhos, para prejudicar a família trabalhadora e para concentrar, ainda mais, renda no Brasil. A reação tem que ser enérgica e não adianta mais paralização isolada, pressão em cima de determinados núcleos. Requer, sim, que o Brasil assine a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Depois de assinado, as lideranças patronais vão começar a espernear. Mas são eles que organizam o sistema de arrocho salarial via demissão arbitrária e substituição por trabalhadores com salários menores. É uma atitude estúpida, um tiro no pé, pois acaba por afetar o mercado interno e tirando do Brasil a segurança que nos garantiu, nos piores momentos da crise, uma proteção para nossa economia.

Leia mais: Crise trava ciclo de alta salarial para recém-admitidos no país; valor cresceu só 0,57% no 1º semestre, contra 3,92% em 2008. Valor pago aos contratados no primeiro semestre em SP caiu de R$ 871 em 2008 para R$ 862, mas Estado mantém maior média de todo o país.

A crise interrompeu, no primeiro semestre, o aumento do salário inicial médio dos trabalhadores nas três unidades da federação que pagam os maiores rendimentos no país: São Paulo, Rio e Distrito Federal. No total, o salário médio dos contratados, descontada a inflação, caiu em 6 das 27 unidades federativas. Nos outros 21 Estados, o rendimento subiu.

Os dados são do Ministério do Trabalho, que contabiliza os salários pagos a todos os trabalhadores contratados com carteira assinada no país.

Desde que o país retomou a trajetória de crescimento, em 2004, no governo Lula, não houve queda em igual número de Estados. De janeiro a junho deste ano, o salário médio avançou 0,57%. Nos primeiros seis meses de 2008, o avanço havia sido de 3,92% ante o ano anterior e, no mesmo período de 2007, houve alta de 4,62%.

A maior queda no primeiro semestre foi registrada no Maranhão, com retração de 2,49%. O maior incremento foi verificado em Rondônia (24,68%).

Amazonas e Espírito Santo também tiveram queda no valor médio do salário inicial.

Apesar da queda nas seis unidades federativas, especialistas em mercado de trabalho afirmam que o recuo dos salários no primeiro semestre foi ameno e que não indica deterioração dos rendimentos no país.

"Com o desempenho ruim da indústria e essa crise brutal, o normal era que o salário caísse. A surpresa é que caiu pouco", afirma Claudio Leopoldo Salm, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Salm diz que, se as empresas demorarem a reagir mais acentuadamente à crise e não retomarem os investimentos e o nível de atividade, é possível que os aumentos dos salários demorem a se acelerar de novo. De 2003 a 2009, a variação do salário médio real dos admitidos foi superior a 30% em 15 Estados. No Acre, o rendimento avançou 64% nesse período.

A economista da Universidade de São Paulo Maria Cristina Cacciamali destaca que a tendência de crescimento do salário inicial dos trabalhadores diminuiu mesmo onde o salário médio continuou subindo. "A queda ainda não é significativa, mas indica que a evolução positiva estancou", afirma.

José Dari Krein, presidente da Associação de Estudos do Trabalho, acrescenta que, com a alta rotatividade de mão de obra no país, a tendência durante a crise é que as empresas substituam trabalhadores por outros com salários menores nos cargos em que o custo de substituição é baixo. Ele ressalta, porém, que, comparada à queda do PIB, a desaceleração dos salários foi pequena. (Leia mais na Folha)

FAT terá seu primeiro déficit por causa de despesas com seguro-desemprego

O aumento de 41% nas despesas do seguro-desemprego no primeiro semestre, para R$ 9,9 bilhões, e os gastos 69% maiores com abono salarial, que somaram R$ 217,5 milhões no período devido à política de valorização do salário mínimo, farão com que o governo Lula registre, em sua reta final, o primeiro déficit da história das contas do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT): R$ 11,449 bilhões no biênio 2009/2010.

Reportagem de Geralda Doca publicada na edição desta sexta-feira do GLOBO mostra que, com a deterioração nas contas do fundo, houve uma redução do crédito para 1,756 milhão de pequenos tomadores que têm empréstimos nos bancos públicos, desde empresas até autônomos, professores e trabalhadores por conta própria como taxistas e motoboys.

Um integrante do Conselho Deliberativo do FAT alertou que, caso não seja encontrada uma solução, vai faltar dinheiro em 2010 - que tem déficit projetado de quase R$ 8 bilhões. (Leia mais em O Globo)

Queda da Selic pode levar bancos a emprestar mais para manter lucratividade

A redução da taxa básica de juros (Selic) de 9,25% para 8,75% ao ano, anunciada pelo Banco Central na última quarta-feira (22), pode provocar um efeito indireto nas operações de crédito ao consumidor, aumentando o volume de empréstimos bancários.

A análise é da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac) e se baseia na expectativa de que a queda contínua dos juros reduza a rentabilidade de investimentos dos bancos com títulos públicos, corrigidos em parte pela Selic, o que levaria as instituições a emprestar mais para manter a lucratividade. Isso, segundo a Anefac, elevará a competição no setor, com redução no custo das operações de crédito ao consumidor final.

Comparativamente, pode-se verificar, segundo dados da Anefac, que os juros no comércio continuam extremamente altos, com queda média de 102,59% para 101,68% ao ano, embora a taxa Selic tenha caído de 9,25% para 8,75% ao ano. Em média, os juros cobrados da pessoa física estão em 131,87% ao ano.

Só para se ter uma ideia, com as atuais taxas, o cidadão que compra uma geladeira à vista por R$ 1.500,00, se for financiar em 12 vezes sem entrada, com a taxa de 101,68% ao ano ou 6,02% ao mês, vai pagar R$ 179,11 por mês, com gasto final de R$ 2.149,32.

O vice-presidente da Anefac, Miguel José Ribeiro de Oliveira, lembra que, até março deste ano, os bancos ainda estavam aumentando as taxas, restringindo o crédito e continuavam sendo mais seletivos na concessão de crédito, com prazos menores.

Porém, a melhora do cenário no país e no exterior trouxe de volta o crédito. Entre outras medidas adotadas pelo Banco Central para impulsioná-lo, está a liberação do depósito compulsório, que é o recolhimento obrigatório que os bancos fazem ao BC sobre o total de depósitos à vista. Além disso, os bancos públicos reduziram as taxas, o que aumentou a oferta de crédito ao consumidor.

“Então, o pior da crise ficou para trás e se reflete nas ações dos próprios bancos, que voltaram a ampliar mais a oferta e as condições do crédito. Tivemos a volta das condições do crédito que havia antes, com os bancos ampliando os prazos e reduzindo taxas de juros. Os bancos não sendo tão seletivos e voltaram a assediar os clientes”, disse o vice-presidente da Anefac.

Oliveira admite que o fato de a taxa de juros para o consumidor final não ter acompanhado na mesma velocidade a Selic continua sendo um problema, embora um pouco menor do que durante a crise.

De acordo com ele, embora o Banco Central tenha começado a reduzir a Selic a partir de janeiro, com quedas consecutivas, o problema ocorreu por causa do aumento da inadimplência, já que o risco subiu.

“Em um ambiente desses, no qual se esperava um dos piores dos mundos pela frente, os bancos começaram a retardar essas quedas, esses repasses das taxas ao consumidor. Então, puseram o pé no freio. O que aconteceu é que as taxas de juros estavam em processo mais veloz do que as taxas de juros aos consumidores”, afirmou.

Ele observa que, a partir de junho, houve uma menor preocupação com o calote. Tanto que no último relatório do Banco Central a inadimplência deu um pequeno recuo. Oliveira espera que os bancos comecem a repassar a queda da Selic para os consumidores.

“A gente está esperando que, daqui para frente, as taxas ao consumidor possam cair por conta desse conjunto de fatores. Até numa velocidade maior do que a queda da Selic, por causa de um competição maior que se inicia no sistema financeiro. É a nossa expectativa”. (Agência Brasil)

Comércio Justo gera trabalho e renda em 51% dos municípios

Uma nova economia está nascendo da prática do Comércio Justo no Brasil e no mundo. Denominada como Economia Solidária, está baseada na cooperação, solidariedade, democracia interna, equilíbrio ambiental, geração de oportunidades para homens e mulheres em desvantagem social, preço justo, respeito aos direitos das crianças, divisão de resultados e maior justiça no comércio mundial.

O Comércio Justo, ou Fair Trade, em inglês, ainda é novidade para algumas comunidades do País, apesar de já trabalharem e produzirem em grupos, associações e cooperativas, de acordo com os princípios da Economia Solidária. Segundo levantamento da Secretaria Nacional da Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), atualmente existem no Brasil cerca de 23 mil empreendimentos de Comércio Justo e de Economia Solidária que geram mais de 2 milhões de postos de trabalho em 51% dos municípios. O setor fatura cerca de R$ 8 bilhões anualmente, de acordo com os dados.

O tema Comércio Justo foi destacado em seminário promovido dentro da Feira do Empreendedor 2009 no Distrito Federal, evento realizado até domingo (26). O seminário foi prestigiado por caravanas convidadas pelas unidades do Sebrae no Distrito Federal e de alguns estados. As caravanas eram compostas por representantes de comunidades, associações e cooperativas de diferentes regiões, relacionados com a produção coletiva e solidária.

Participaram do evento: Dione Manetti, diretor do Departamento de Fomento à Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE); Rosemary Gomes, secretária da Economia Solidária do Estado do Rio de Janeiro e diretora da ong Onda Solidária; Ana Larronda Asti, diretora latino-americana da Organização Mundial de Comércio Justo (WFTO) e moderadora do debate; e Jasseir Fernandes, presidente da entidade Faces do Brasil e da União Nacional de Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária.

A proposta de criação do Sistema Brasileiro de Comércio Justo e Mapeamento da Economia Solidária, encaminhada à Casa Civil da Presidência da República em novembro passado, como subsídio da futura Instrução Normativa para o setor, foi um dos principais assuntos do seminário. O documento é fruto de diversos debates e contribuições de movimentos, associações, cooperativas, organizações civis e instituições apoiadoras do Comércio Justo no País. Experiências e práticas de outros países também foram referência na construção da proposta. (Sebrae)

(Artigo para reflexão)

A irredutível economia da escravidão

Há um cativeiro embutido nas artimanhas do trabalho livre legado pela abolição. E resiste ao tempo

José de Souza Martins*

- Uma grave pendência da história social brasileira se manifesta com frequência em episódios de violação de direitos nas relações de trabalho. Como o que ocorreu em São Francisco de Itabapoana, no Rio de Janeiro, quando o Grupo Móvel de Fiscalização libertou 105 homens que trabalhavam em cativeiro. O endividamento forçado de trabalhadores para obrigá-los ao trabalho, com práticas de extorsão e, literalmente, de roubo, mediante manipulação de preços dos fornecimentos ou aviamentos, como alimentos, vestuário e até ferramentas, tem constituído técnica de cerceamento da liberdade e dos direitos da pessoa que trabalha. O Brasil já violara a liberdade dos índios escravizados que foram libertados em 1757. Ao deixar pela metade a abolição de 1888, deixou aberto o caminho para a nossa terceira escravidão: a maioria dos trabalhadores libertados agora no Rio, como se vê pelas fotos, é negra e mulata.

É coisa antiga. Desde a revolta dos colonos suíços, no Natal de 1856, trazidos para trabalhar na Fazenda Ibicada, em São Paulo, como substitutos dos negros escravizados, como solução para a escravidão negra que começava a agonizar com o fim do tráfico negreiro em 1850, já se via que a concepção de liberdade dos trabalhadores era restrita e condicionada. Os revoltados foram acusados pelo patrão de serem comunistas, quando o comunismo mal nascia na Europa.

O cativeiro embutido nas artimanhas e falcatruas da modalidade de trabalho livre que o fim da escravidão nos legou tem se manifestado insistentemente ao longo de mais de século e meio. Euclides da Cunha escreveu sobre o aviamento nos seringais da Amazônia, num relato muito parecido com o do noticiário de agora sobre o caso do Rio. A partir dos anos 1970, os da expansão territorial da economia brasileira para a região amazônica, as denúncias de ocorrência de trabalho escravo se multiplicaram. As jornalistas inglesas Sue Branford e Oriel Glock, longamente familiarizadas com o Brasil, estimaram que naquele período mais de 400 mil pessoas estiveram submetidas à escravidão na derrubada da mata para abertura de novas fazendas naquela região. As violências denunciadas à Polícia Federal, naquele período, e apuradas, eram brutalmente maiores do que as sofridas pelo escravo na escravidão negra. Havia uma razão para isso: o negro cativo era capital imobilizado de seu senhor. Feri-lo, aleijá-lo ou matá-lo era irracional prejuízo. No caso da escravidão atual, a escravidão é temporária e é mecanismo para reter o cativo enquanto se faz a derrubada, a colheita de um produto ou o corte da cana. Se ele morre, pode ser substituído por outro, sem nenhum prejuízo para quem o explora. Foram encontrados casos que iam desde o tronco, da chibata, da tortura, da humilhação, da mutilação até o assassinato puro e simples. Em julho de 1990, este jornal noticiava o assassinato de quatro trabalhadores escravizados numa fazenda de Paraopebas, no Pará. Um trabalhador fugiu e conseguiu avisar a polícia, que encontrou restos carbonizados de um dos trabalhadores mortos jogados como ração no chiqueiro dos porcos. O circo de horrores se estende pelos casos de trabalhadores feridos, amarrados em árvores, expostos a formigas-de-fogo ou feridos nos testículos e jogados em rios que tem piranha.

Neste caso do Rio, 80 dos trabalhadores eram procedentes da Bahia. No conjunto dos casos que têm ocorrido no Brasil, o Nordeste é majoritariamente a região de recrutamento desses trabalhadores. Não é raro que isso ocorra em famílias de pequenos agricultores, que aceitam o aliciamento dos traficantes pelo mero alívio das despesas de casa durante a entressafra. Bocas a menos na miséria nossa de cada dia.

Nos últimos anos, as ocorrências, antes concentradas na derrubada de matas, disseminou-se por outras regiões, também em atividades agrícolas, como o reflorestamento, o corte de cana ou a colheita, nas quais se tornou comum a sobrexploração do trabalho, o pagamento do trabalho por menos do que vale, do que o trabalhador e sua família necessitam para sobreviver. Esse é, aliás, um padrão disseminado em diferentes atividades econômicas, até mesmo na indústria de confecções na cidade de São Paulo. Essa economia da pobreza não ganhava denúncias nem visibilidade enquanto era, e em muitos casos ainda é, uma atividade sazonal e complementar da atividade agrícola familiar, aquela em que qualquer mísero salário é bem-vindo como complemento de uma agricultura rústica e de uma vida no limiar da economia moderna. Por esse meio, os mais pobres continuam subsidiando, com seu trabalho sazonal barato, a economia rica de setores prósperos da agricultura e mesmo da indústria. É muito provável que o Bolsa-Família, ao entrar na economia com essa mesma função de baratear o trabalho dos pobres, apenas acentue a vulnerabilidade das vítimas dessa exploração.

A economia dual brasileira, que articula dinamicamente a economia da pobreza com a economia da prosperidade, a economia da servidão com a economia moderna, apenas repete o que vem ocorrendo em outros países. Segundo dados apurados pela OIT – Organização Internacional do Trabalho, a escravidão movimenta hoje no mundo milhões de dólares e se tornou um atraente negócio de traficantes de mão de obra e de empresas que atuam aquém das regras do direito.

No Brasil, o governo Fernando Henrique Cardoso, logo no início, criou o Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado. E foi no último ano de seu governo que se preparou o Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, entregue pronto e definido ao presidente Lula. Essa terceira abolição da escravatura, no entanto, iniciada no governo anterior, emperrou no atual governo. As medidas sugeridas por uma comissão federal de alto nível, em 2002, foram ignoradas. Enquanto for mais barato pagar a multa do que cumprir a lei, tudo ficará como sempre esteve. Se alguma coisa ainda se faz é o que já vinha fazendo o Grupo Móvel de Fiscalização, que até hoje não recebeu nem medalhas nem elogios.

*Professor emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Autor de Fronteira – A Degradação do Outro nos Confins do Humano (Contexto, 2009)