terça-feira, 17 de abril de 2012

"Fica difícil justificar os níveis de "spread" bancários no Brasil "

Pobres bancos

Um turista, lendo sobre como os bancos do país não podem reduzir juros, acharia que eles estão em crise. Ficaria confuso ao descobrir seus altos lucros.

Imagine um estrangeiro que chegasse ao Brasil sem nenhum conhecimento prévio da nossa economia e lesse algumas análises feitas por especialistas sobre a decisão dos bancos públicos de reduzir o custo do crédito para famílias e empresas.

A que conclusão este visitante chegaria? Entenderia, provavelmente, que o setor bancário brasileiro está passando por período de vacas magras, com baixa rentabilidade, até mesmo com prejuízo, decorrente de níveis de inadimplência estratosféricos, de um elevado padrão de insegurança jurídica e de tributos escorchantes.

Impossível não imaginar que se trata de um setor com margens de lucro muito estreitas e que, portanto, induzido a comprimir ainda mais seus "spreads" (diferença entre o que os bancos pagam ao captar recursos no mercado e o que eles cobram nos financiamentos), seria atirado rapidamente a uma situação de insolvência generalizada.

"Pobres bancos!", talvez dissesse o viajante.

Mas, curioso, nosso turista poderia acionar o Google para conhecer um pouco melhor a situação. Ao fazer isso, ficaria confuso e surpreso ao descobrir que, dos oito maiores lucros auferidos por empresas no Brasil em 2010, cinco foram obtidos por bancos.

Sua confusão aumentaria quando lesse que, segundo pesquisa feita pela empresa de consultoria Economatica, no ano passado o setor bancário foi o de maior volume de lucro entre as empresas de capital aberto, excluídas da amostra a Petrobras e a Vale. E abocanharam 39,4% do total de lucro obtido pelas 344 empresas avaliadas.

"Pobres bancos?", agora se perguntaria o turista estrangeiro, a esta altura disposto a abandonar suas conjeturas para se dedicar a conhecer país tão bonito e acolhedor.

Para o cidadão acostumado a pagar os juros mensais nas dívidas do cartão de crédito e do cheque especial, assim como o pequeno e médio empresário, conhecedor das taxas cobradas em empréstimos para capital do giro, a resposta para tal pergunta é um óbvio não.

Para o cidadão e para o empresário, a resposta ficou ainda mais taxativa ao observar que nos últimos meses a Selic vem caindo, mas as taxas de juros cobradas pela maioria dos grandes bancos tiveram pouco decréscimo.

Fica difícil justificar os níveis de "spread" bancários no Brasil apenas pelo argumento de elevação da inadimplência, da existência de tributos ou de compulsórios, sem mencionar as margens líquidas nesses "spreads", diante dos recorrentes recordes de lucros das grandes instituições financeiras nos últimos anos.

Compreendendo isso, a Caixa quer demonstrar que os bancos podem, sim, reduzir seus "spreads" neste momento em que o Brasil tem controle da inflação e estabilidade de todos os seus indicadores econômicos. A queda da taxa básica de juros precisa se refletir na vida real dos brasileiros.

A Caixa está reduzindo os seus "spreads" porque oferecer crédito mais barato a um número muito maior de pessoas é um ótimo negócio para qualquer instituição bancária que tenha objetivos estratégicos pautados pela rentabilidade e pelo dever de atender aos interesses dos seus acionistas.

Em 2008 e em 2009, quando o setor bancário se retraiu para se precaver dos efeitos da crise internacional, a Caixa fez o oposto: facilitou o crédito e ampliou sua participação no mercado. Andou na contramão e ganhou dinheiro.

Hoje, a situação não é muito diferente. Apoiada na baixa inadimplência de seus clientes -bem menor que a média do mercado-, a Caixa planeja ampliar a sua carteira de crédito em mais de 30% neste ano.

Vamos oferecer crédito mais barato e, com isso, atrairemos mais 2 milhões de clientes. Vamos ganhar dinheiro vendendo dinheiro, como os bancos costumam fazer, sempre de forma bastante lucrativa. E talvez, na próxima viagem, aquele turista não tenha de se esforçar para entender o Brasil. (Página 3, Folha)


JORGE HEREDA, 55, é presidente da Caixa Econômica Federal



Argentina reestatiza Repsol-YPF e abre crise diplomática

Como retaliação, governo espanhol anunciou que prepara medidas “duras e contundentes” a serem anunciadas nos próximos dias

Depois de ter perdido 16 concessões em seis províncias argentinas no último mês e meio, a companhia petrolífera Repsol-YPF recebeu ontem a notícia que mais temia: o governo da presidente Cristina Kirchner decretou a intervenção da empresa e enviou um projeto de lei ao Congresso que prevê a expropriação de 51% da participação acionária da Repsol, que alcança 57,4%.

Os 25,4% em poder do grupo Petersen (da família argentina Eskenazi), que desembarcou na companhia em 2007 graças ao respaldo do ex-presidente Néstor Kirchner (2003-2007), não serão modificados. A histórica decisão da Casa Rosada, que tem apoio folgado do Parlamento, inclusive da oposição, pode afetar todo o setor de petróleo e abriu uma crise diplomática com o governo da Espanha, que ontem, através de seu chanceler, José Manuel Garcia-Margallo, prometeu “drásticas medidas” em resposta a “uma ação arbitrária, que rompe o clima de cordialidade e amizade entre nossos países”.

— Quando se rompem as regras do diálogo, qualquer temor é fundado — alertou Garcia-Margallo, lembrando que em fevereiro passado seu governo e a Argentina haviam “acordado resolver possíveis contenciosos por meio do diálogo”.

Os rumores sobre a reestatização da Repsol-YPF, privatizada na década de 90 pelo ex-presidente Carlos Menem, começaram a circular há várias semanas e coincidiram com uma campanha pública contra a empresa, organizada por movimentos sociais vinculados ao kirchnerismo, como o La Cámpora, fundado e liderado por Máximo Kirchner, filho da presidente. O próprio Menem, hoje senador, deve votar a favor da reestatização.

— Que fique claro, este não é um modelo de estatização e sim um modelo de recuperação de soberania — afirmou a presidente argentina, em discurso transmitido por rede nacional de rádio e TV.

Empresa vai recorrer na Justiça

O governo Kirchner acusou a Repsol de não investir na produção de petróleo e gás no país. Assim, a empresa seria a principal responsável pelo aumento das importações de combustíveis, que no ano passado chegaram a quase US$ 10 bilhões (no ano anterior o montante alcançou US$ 4,3 bilhões), e os constantes problemas provocados pela escassez de produtos como gasolina e diesel, consumidos pelos setores mais populares.

O grupo espanhol rechaçou os questionamentos e garantiu que em 2011 investiu três vezes mais do que outras importantes empresas do setor. Este ano, anunciou a empresa recentemente, a previsão de investimentos era de US$ 3,4 bilhões. Em nota oficial, a Repsol considerou “ilícita” a expropriação de suas ações e deixou claro que recorrerá à Justiça contra o governo Kirchner. Na semana passada, o diretor-executivo da empresa, Antonio Brufau, esteve em Buenos Aires tentando evitar a intervenção.

— A Argentina tem sérios problemas energéticos pelo fracasso da política oficial e decidiu descarregar toda a culpa na Repsol, que produz apenas 30% do total dos combustíveis do país — desabafou o espanhol, em conversa informal com empresários argentinos.

Apesar da reação internacional, que começou antes mesmo da confirmação da medida e incluiu gestos de solidariedade com a Espanha até da União Europeia (UE), Cristina decidiu avançar na implementação de um dos projetos mais audaciosos de seu governo. Ontem, a presidente disse que sua administração não está inventando nada novo e mencionou exemplos internacionais, entre eles o Brasil com a Petrobras, de países que controlam sua principais empresas petrolíferas.

— Convoco todos os homens e mulheres, que cada um em seu posto de luta nos ajude a reconstruir esta grande empresa para todos os argentinos — disse a presidente, acompanhada por todos os ministros de seu gabinete e os governadores das províncias petrolíferas, que terão uma importante presença na nova YPF.

Dos 51% que serão recuperados pelo Estado, o projeto de lei determina que 26,1% serão do Estado nacional e 24,99% das províncias petroleiras. Domingo à tarde, Cristina antecipou seu retorno da Cúpula das Américas, realizada no fim de semana na Colômbia, para terminar de definir o polêmico projeto apresentado ontem com o ministro do Planejamento, Julio De Vido, designado como interventor da companhia. O vice-ministro da Economia, Axel Kicillof, um jovem economista de La Cámpora que se transformou numa espécie de guru econômico da presidente, também estará à frente da intervenção.

Ontem, após presenciarem o discuso de Cristina no palácio de governo, De Vido e Kicillof se instalaram na sede da Repsol-YPF no bairro portenho de Puerto Madero para dar as primeiras instruções a seus subordinados. Uma delas, o reforço da segurança no prédio que, desde ontem, passou a ser controlado pelo Estado argentino.

A atitude do governo argentino causou profundo mal-estar em Madri.

— Esta é uma lei discriminatória, porque prevê uma nacionalização mas só inclui a Repsol — argumentou o ministro da Indústria espanhol, José Manuel Soria, que também esteve em Buenos Aires recentemente, buscando acordo que evitasse a crise bilateral. — Qualquer gesto de hostilidade contra uma empresa espanhola é um gesto contra nosso país e nosso governo.

Para Cristina, não existe possibilidade de recuo. A presidente encerrou seu discurso, como muitas outras vezes, referindo-se a seu marido e antecessor, falecido em outubro de 2010:

— O único (ponto) que lamento é que ele (Néstor) não esteja me olhando, porque ele sempre sonhou em recuperar YPF para o país.

Espanha prepara ‘medidas duras’

O decreto, enviado ontem mesmo ao Parlamento, estabelece o setor petrolífero da Argentina como de “interesse público nacional”, sinalizando um maior controle pelo Estado. No início de abril, a Petrobras teve sua concessão em Neuquén suspensa pelo governo da província. A empresa brasileira foi acusada de não investir o comprometido no contrato. O governo anunciou que outras empresas teriam seus contratos revistos. Procurada, a Petrobras não quis comentar a medida contra a Repsol.

O presidente de Governo da Espanha, Mariano Rajoy, fez uma reunião de emergência com seu Gabinete. O governo espanhol anunciou que prepara medidas “duras e contundentes”, que serão anunciadas nos próximos dias. Rajoy iniciará uma série de viagens a países latino-americanos em busca de apoio. A União Europeia (UE), segundo maior mercado para as exportações argentinas, reagiu rapidamente:

— Uma tomada de controle forçada por parte do governo argentino é um sinal muito negativo para os investidores, nacionais ou internacionais, e poderá abalar seriamente o ambiente de negócios na Argentina — disse o porta-voz de Comércio da UE, John Clancy.

Com o anúncio da desapropriação, as ações da YPF chegaram a cair 11% na Bolsa de Nova York ontem, quando as operações com os papéis da empresa foram suspensas. Boris Segura, economista da Nomura Securities, em Nova York, disse que a medida pode frear os investimentos estrangeiros diretos, necessários para desenvolver os recursos energéticos da Argentina. Mas, para VictorBronstein, analista do setor petrolífero, a medida faz sentido, pois a Repsol aproveita o lucro obtido na Argentina para investir em outros negócios, em Brasil, Venezuela e Angola.

— É bom que o Estado retome o controle da YPF, que nunca deveria ter perdido — resumiu o ex-ministro da Economia Roberto Lavagna. (O Globo)