segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Brasil, brasileiros, cidadãos aguardam o segundo turno das eleições presidenciais

Os eleitores pedem mais tempo

A decisão ficou para o dia 31 - e para os eleitores de Marina Silva. Dilma Rousseff, com 47%, acabou abaixo da margem de erro das pesquisas. José Serra, com 33%, disputará o segundo turno com a candidata do governo. O ex-governador de São Paulo ficou no limite superior da margem de erro; Marina Silva, com 19%, também. Durante a campanha, Marina, ex-ministra do Meio Ambiente de Lula, criticou tanto Dilma quanto Serra. Em discurso ontem à noite, ela não revelou quem apoiará no segundo turno. O assédio à senadora acreana começou ontem mesmo, por enviados de Dilma e de Serra. O candidato tucano, que enfrentava a ameaça de não haver segundo turno, fez discurso eufórico, por volta de meia-noite. Pela manhã, Dilma procurou não esmorecer: "A militância que eu represento é melhor diante de obstáculos do que diante da facilidade." À noite, ela disse que suas propostas ficarão mais claras a partir de agora. As campanhas de ambos serão redesenhadas. O resultado frustra a expectativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cujo engajamento na campanha foi sem precedentes nesses 21 anos de eleições diretas. Lula apostou sua popularidade e colocou o peso de seu cargo na candidatura de sua ministra-chefe da Casa Civil, que nunca disputara eleição e era desconhecida da maioria dos brasileiros até a campanha deste ano. (Estado)

Classe D já sonha com a casa própria

Aumento da renda ampliou consumo desse grupo, que hoje chega a R$ 381,2 bilhões; 72% querem crédito para a compra do imóvel

Com um poder de consumo de R$ 381,2 bilhões somente em 2010, o grande desejo da classe D é a casa própria. Segundo pesquisa da consultoria Quórum Brasil, obtida com exclusividade pelo ‘Estado’, 72% das famílias com renda de R$ 800 a R$ 1.020 por mês ambicionam comprar um imóvel.

O aumento da renda ampliou o consumo desse grupo da população e também chamou a atenção de algumas empresas e bancos. Para especialistas, porém, o acesso ao crédito de maiores valores, como o imobiliário, ainda é limitado.

"Essas pessoas que hoje estão na base da pirâmide são tomadoras de crédito para a compra do computador, moto, carro ou para financiar viagens. Mas são créditos de valores menores", explica o diretor de crédito imobiliário do Bradesco, Cláudio Borges. "Agora é que eles começam a ter alguma participação em termos de financiamento imobiliário."

A demanda reprimida é grande. Borges acredita que pelo menos 80% dos quase 6 milhões de lares de déficit habitacional sejam da baixa renda. Mas o dinheiro curto torna o sonho de muitos distante. Estima-se que um imóvel para esse público custe, no máximo, R$ 50 mil.

No Bradesco, a parcela mínima do financiamento é de R$ 200, o que, segundo cálculo de Borges, permite que o cliente financie uma casa de R$ 45 mil em 30 anos. Já numa simulação do Itaú Unibanco, famílias com ganhos de R$ 1.020 por mês não conseguem obter o crédito, por causa do comprometimento muito grande da renda.

"A própria ascensão da classe C influi nessa ambição. Quem tem menor renda vê na televisão os feirões, as ofertas de imóveis, e passa a querer isso também", diz o diretor da Quórum Brasil, Cláudio Silveira. "Mas, além de o salário da classe D não ser suficiente, não há linhas de financiamento de valores tão baixos."

Um terceiro problema seria a regulamentação dos imóveis. Localizados geralmente na periferia, grande parte das residências de preço baixo não possuem todos os documentos necessários para o financiamento.

No Bradesco, apenas 3% dos R$ 5 bilhões financiados até junho foram destinados à classe D. A classificação do grupo, no entanto, não possui um critério fechado e nos bancos em geral se estende a famílias que ganham até três salários mínimos. "Já pega parte das pessoas na transição para a classe C", garante Silveira.

O que parte do mercado acredita ter garantido maior acesso da classe D é o programa do governo federal Minha Casa, Minha Vida, que atende à faixa de renda de até R$ 1.395. Segundo a Caixa Econômica Federal, principal banco envolvido no projeto, os recursos do Fundo de Arrendamento Residencial vão produzir 400 mil unidades.

Segundo a Caixa, outras 67 mil famílias já foram atendidas por financiamentos com recursos do FGTS, subsidiados pelo programa, e dessas 21 mil têm renda inferior a R$ 1.100. Em 2008, quando ainda não havia o programa, 47% das residências financiadas eram para famílias de até três salários mínimos, número que aumentou para 60% em 2010, após o programa ter entrado em vigor.

Outros desejos — Os próximos itens do ranking dos desejos são a aquisição do automóvel e progredir na vida ou estudar, objetivos que já são mais facilmente alcançáveis. Além de estudar, o grupo passa a se preocupar mais em guardar dinheiro (18% dos pesquisados), mas apenas 46% realiza tal objetivo.

Pelo fato de boa parte da classe D morar em locais considerados violentos e também pela renda ser insuficiente para passeios mais distantes, muitos optam por ampliar as possibilidades de lazer dentro de casa, com a compra de aparelhos de DVD, videogames e computadores. (Estado)

Consumidor foi esquecido na eleição
HÁ UM IMPORTANTE personagem que move a economia do Brasil. Ele (ou ela) compra produtos, contrata serviços e ajuda a distribuir riquezas pelos 8,5 milhões de quilômetros quadrados deste país.
Esse personagem, contudo, não foi lembrado na campanha eleitoral deste ano. Não obteve sequer promessas eleitoreiras. Simplesmente, a maioria dos candidatos aos cargos eletivos, inclusive os presidenciáveis, deu uma banana para o consumidor brasileiro.
O descaso é facilmente identificável. Quantos se comprometeram a trabalhar para que o caos tributário e fiscal, que retira renda dos assalariados para engordar os cofres públicos, seja ao menos reduzido?
Continuaremos a pagar impostos, taxas e contribuições para sustentar um Estado gordo, incompetente e descuidado com o controle dos deslizes que, muitas vezes, parecem norma, não exceção.
É bem provável até que tenhamos de engolir, de novo, a amarga pílula do imposto nas transações financeiras, travestido de panaceia para a saúde. Sabemos muito bem que a saúde a que se referem nossos políticos é a que sustenta suas bondades eleitoreiras.
Também não há no horizonte mudanças significativas na estrutura e no funcionamento das agências reguladoras. Elas têm problemas que deveriam ser sanados. Pode esquecer isso.
Falta, inclusive, uma agência para cuidar da área da educação em nosso país. Estamos, aliás, no período do ano em que as escolas privadas praticam reajustes dos contratos acima da inflação, sangrando os bolsos de pais que raramente receberam alguma correção salarial nos últimos anos. E uma agência para tratar, exclusivamente, da defesa do consumidor.
Também não vi um compromisso público, direto e objetivo com a manutenção do Código de Defesa do Consumidor. Certamente será atacado pelos grupos contrariados com a faxina que fez nas relações de consumo.
Outros temas urgentes e abrangentes foram deixados de lado: qualidade de rótulos, mais informações sobre os eventuais danos derivados do consumo de determinados alimentos, envio não solicitado de cartões, imposição de compra de serviços para manter uma conta-corrente etc.
Os estatutos do Idoso e do Torcedor, que teimam em não sair do papel, mereceriam debates, sugestões, críticas e preocupação da nova (?) safra de políticos. Provavelmente, continuarão mofando na estrutura burocrática dos três Poderes.
O direito à informação -por exemplo, assegurando a divulgação de testes de produtos e serviços, que têm sido censurados previamente no Poder Judiciário- não motivou nem três linhas nos discursos dos candidatos.
Temos, contudo, de fazer uma autocrítica: nós, eleitores, consumidores, cidadãos, não cobramos nada disso. Não estimulamos os postulantes à Presidência, ao Senado e às Assembleias a discutir as relações de consumo.
Em política, tudo que não se cobra, obviamente, é esquecido, deixado para lá, porque, aparentemente, não interessa e não dá voto.
Ponto para aqueles que gostariam de retornar à situação anterior ao Código, quando havia um "velho oeste do consumo", ou seja, quem sacava primeiro ganhava a luta.
Não temo que isso ocorra, porque trabalhamos diariamente para valorizar os direitos obtidos por essa legislação que "pegou". E que tem assegurado, a duras penas, direitos simples, como o de receber o produto pelo qual pagamos com a qualidade prometida.
Ou os avisos (recall) sobre defeitos em produtos e serviços que ameacem nossa saúde e o funcionamento do que adquirimos. Temos de lutar para ampliar nossos direitos e melhorar os mecanismos de fiscalização deles.
Não podemos, porém, olhar para o lado enquanto tentam destruir o arcabouço de defesa dos direitos do consumidor.
Só conseguiremos isso se abrirmos mão de algumas horas de lazer para participar do jogo eleitoral em prol de nossas teses. Como diz a tradição popular, barco parado não ganha frete.


MARIA INÊS DOLCI, 54, advogada formada pela USP com especialização em business, é especialista em direito do consumidor e coordenadora institucional da ProTeste Associação de Consumidores. Escreve quinzenalmente, às segundas-feiras, nesta coluna. (Folha)