segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Com resultado do plebiscito, Pará diz não aos interessados em explorar suas riquezas e manter seu povo na pobreza


José Francisco

Com resultado do plebiscito, Pará diz não aos interessados em explorar suas riquezas e manter seu povo na pobreza
José Francisco Pereira, presidente da UGT-PA
O sonoro “não” cívico que os paraenses deram aos que tentaram dividir o Estado do Pará para colocarem as mãos nas nossas riquezas, sem se preocupar com os investimentos sempre necessários e cada vez mais inadiáveis na distribuição de renda, na segurança, educação e, principalmente, saúde e moradia, vai repercutir no futuro imediato nas políticas públicas do atual governo.
O recado foi dado de maneira clara e objetiva. O Pará cansou de ser um Estado rico com sua população pobre. Tanto é que amanhã (13/12) será votada na Assembléia Legislativa uma lei que cobrará R$ 6,00 por cada tonelada de minério que a Vale do Rio Doce extrair dos nossos solos. Será suficiente para arrecadar R$ 800 milhões por ano para sanar diversos problemas sociais que hoje afetam, principalmente, a região que seria o Estado do Tapajós. O “não” significou um “basta” aos que vieram de fora, inclusive os deputados federais e senadores que lideraram os movimentos divisionistas, com o apoio de Duda Mendonça que tem vastas áreas de terras onde seria o Estado de Carajás. Demos um “basta” também à Vale do Rio Doce que age acobertada por setores do governo federal para enviar minerais preciosos (entre eles, ouro) junto com o minério de ferro para o Exterior. Vamos exigir o processamento dos minérios extraídos antes do envio para o Exterior. Queremos participar dessa riqueza e acabar com a verdadeira sangria desatada de nossas riquezas, num conluio que envolve elites políticas, estaduais e federais. Chega! O povo do Pará provou que sabe o que quer para o seu futuro: mais distribuição de renda e riqueza, com investimentos sociais em seus bolsões de pobreza.



Em plebiscito histórico, Pará diz 'não' à divisão do Estado
Dois terços dos eleitores paraenses rejeitam a criação do Carajás e do Tapajós.
No primeiro plebiscito realizado no país para dividir um Estado, o Pará rejeitou ontem a proposta de desmembramento do seu território em três. A ampla maioria dos eleitores paraenses votou "não" na proposta separatista, que daria origem a Carajás e Tapajós, além do Pará remanescente.
Às 23h, com 99,42% das urnas apuradas, a frente contrária à divisão vencia com folga as disputas pela criação do Carajás (com 66,5% dos votos válidos) e do Tapajós (67%). A vitória esmagadora na capital Belém, que tem 20% da população, foi decisiva. Lá, o "não" teve 95% dos votos.
O resultado confirma a pesquisa Datafolha e impõe dura derrota ao marqueteiro Duda Mendonça, responsável pela campanha separatista. Líderes do Tapajós creditaram parte da derrota à estratégia de unificar a propaganda, a cargo de Duda. Em Belém, os antisseparatistas comemoraram a vitória. Para evitar o sentimento revanchista, o governo fala em buscar recursos para reduzir as desigualdades regionais. (Folha)

Conferência do clima tem avanço histórico
Países concordaram pela primeira vez em criar tratado que obrigue todas as nações a reduzir gases do efeito estufa. No entanto, ações reais só virão após 2020, o que não afasta risco de mudança climática dita 'perigosa' no planeta.
A COP-17, a conferência do clima de Durban, África do Sul terminou ontem lançando a base para um futuro acordo contra o aquecimento global que, pela primeira vez, envolverá metas obrigatórias para todos os países do mundo -mas só após 2020.
É o maior avanço político na luta contra os gases-estufa desde a gênese do Protocolo de Kyoto, em 1995.
Mas, até o fim desta década, nenhuma medida internacional efetiva contra o aquecimento global virá. Poluidores ficam livres para manter compromissos fracos que já haviam adotado na conferência de Copenhague, em 2009, e que põem o mundo no rumo de um aquecimento de até 4°C em 2100.
O texto de uma página e meia batizado de "Plataforma de Durban" e aprovado já na manhã de domingo estabelece um calendário para criar "um protocolo, outro instrumento legal ou um resultado acordado com força legal" em 2015, que possa entrar em vigor até 2020.
Trata-se de algo inédito na Convenção do Clima da ONU, pois pela primeira vez os maiores poluidores do mundo, EUA e China, integrarão o mesmo acordo.
BARREIRA QUEBRADA -- Nas palavras do negociador-chefe americano, Todd Stern, a Plataforma de Durban "desbasta a barreira que existia entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento" na convenção.
Foi essa divisão que impediu que o Senado americano ratificasse Kyoto e que causou, em 2009, o impasse com a China que fez fracassar a conferência de Copenhague.
A conferência também aprovou a prorrogação do acordo de Kyoto, mas sem três de seus principais membros: Rússia, Canadá e Japão.
Por fim, foi lançado o chamado Fundo Verde do Clima, que tem a promessa de US$ 100 bilhões anuais a partir de 2020 para combater emissões e promover ações de adaptação à mudança climática nos países em desenvolvimento.
"As decisões que vocês tomaram aqui são verdadeiramente históricas", disse aos delegados a presidente da COP, a chanceler sul-africana Maite Mashabane.
A madrugada de ontem em Durban testemunhou outros ineditismos: foi a COP mais longa da história, a primeira que terminou com seus principais atores (EUA, emergentes e União Europeia) tentando levar crédito pelo sucesso em vez de culpar uns aos outros pelo fracasso.
Foi também a primeira conferência a ter suas decisões referendadas por negociadores reunidos numa "indaba", nome de uma assembleia tradicional africana em que chefes de vilas se juntam para resolver problemas.
O acordo, porém, vinha sendo gestado havia meses entre os países do grupo Basic (Brasil, China, Índia e África do Sul), a União Europeia e os Estados Unidos, e costurado durante vários dias em reuniões secretas no hotel Hilton, anexo ao ICC, o centro de convenções da COP.
Nesses encontros, o Brasil desempenhou um papel importante de mediador, ajudando a encontrar a linguagem no texto que permitisse aos EUA aderirem a um acordo legalmente vinculante (como a União Europeia exigia) e ao mesmo tempo evitassem a rejeição do Senado.
Na plenária final da COP, porém, o entendimento ameaçou ruir. A Índia exigiu que fosse acrescentada no texto uma opção de ação mais frouxa, de modo que ela não precisasse se comprometer com metas. Foi criticada por europeus e pelas nações-ilhas, que não só pediam um instrumento com força de lei mas também exigiam sua ratificação em 2018, não 2020.
A salvação do processo foi um truque retórico inventado pelo negociador-chefe do Brasil, Luiz Figueiredo (leia texto abaixo, à dir.). "Temos de nos orgulhar", declarou Figueiredo a jornalistas.
À ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, a presidente Dilma disse estar "satisfeita" com o resultado e a atuação brasileira. (Folha)

Alta de 14% do mínimo afeta negociações de pisos regionais
Nenhum dos cinco Estados da Federação que adotam a política de salário mínimo regional decidiu até agora qual será o piso em 2012. São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul já começaram as negociações entre centrais sindicais e federações patronais, que devem ser mais duras neste ano. Cerca de 15,7 milhões de pessoas recebem salário mínimo regional nesses Estados.
O reajuste próximo a 14% do piso nacional é considerado alto pelos empregadores, que, com os pisos regionais, pagam atualmente pelo menos 10% a mais que o mínimo nacional. No Paraná, o piso regional é 35% maior que o brasileiro. São Paulo e Rio Grande do Sul devem agilizar as discussões, já que seus pisos, de R$ 600 e R$ 610, respectivamente, estão abaixo do valor estimado para o mínimo nacional em 2012 - R$ 622, por enquanto. Nesses casos, o piso nacional será adotado a partir de 1º de janeiro até que haja uma decisão.
Nos últimos dois anos, quando esses cinco Estados já tinham adotado o mínimo regional, apenas o Rio Grande do Sul em uma ocasião, reajustou o seu piso abaixo do índice de reajuste do salário mínimo nacional. O primeiro Estado a adotar o mínimo regional foi o Rio de Janeiro, em dezembro de 2000. Desde então, a tendência são índices pouco acima do reajuste nacional. Raras vezes os pisos regionais tiveram reajustes inferiores, tendência que deve ser contrariada este ano.
"Estamos começando a olhar isso agora", segundo Davi Zaia, secretário do Trabalho em São Paulo. A primeira reunião entre empregadores e centrais será realizada amanhã, mas há certo pessimismo quanto à adoção do mesmo reajuste do piso nacional em 2012, que considera o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2010 - de 7,5% - e o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) em 2011, cujo acumulado em 12 meses até novembro avançou 6,18% -, o que provocará um reajuste do mínimo nacional próximo a 14%. "[Em São Paulo] Não sei se o reajuste será maior, porque o nacional está muito alto. Mas, se for menor, cria-se o problema de o mínimo nacional se aproximar do regional, o que tira a importância dessa política", diz Zaia.
Segundo um estudo da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), mais de 7,2 milhões de trabalhadores recebem o salário mínimo regional em São Paulo. Em 1º de janeiro, quando o novo mínimo nacional, que hoje seria reajustado para R$ 622,08, passar a valer, o Estado de São Paulo, que paga piso de R$ 600, terá que se adequar até que o piso regional seja decidido - o que está programado para 1º de março. O ajuste, nesse caso, implicará em pelo menos R$ 159 milhões a mais na economia mensalmente, sem considerar o aumento regional. Esses R$ 22,08 a mais no piso do Estado representam um reajuste de apenas 3,68% frente ao salário que já é pago, o que provavelmente não será aceito pelas centrais sindicais.
"A intenção é manter o compromisso de reajuste pelo menos igual ao nacional", segundo Zaia. O Estado, que passou a adotar o piso regional em agosto de 2007, sempre reajustou o seu piso (pouco) acima do índice nacional.
O Paraná é o Estado que paga o maior piso salarial no Brasil. Fixado em R$ 736 desde maio deste ano, o cenário mais provável para o salário mínimo em 2012 é que ele mantenha a diferença de R$ 191 em relação ao mínimo nacional, o que representaria um reajuste de 10,47%, acima da inflação no período. "Houve sinalizações para manter essa diferença. Estamos analisando como aumentar a renda dos trabalhadores sem perder competitividade", diz Núncio Mannala, coordenador da Secretaria do Trabalho, Emprego e Economia Solidária do Estado. Segundo ele, os setores agropecuário e de serviços são mais resistentes durante as negociações, já que neles o peso de trabalhadores que recebem um salário mínimo é maior no total de empregados.
Mannala atribui à alta rotatividade e à falta de mão de obra qualificada o interesse dos empregadores no Estado em manter um salário atrativo. "Estamos tentando mudar o perfil do trabalhador no Paraná. Temos um problema conjuntural. O salário mínimo regional funciona como um incentivo para que as trocas de emprego diminuam. Esse piso alavancou a economia como um todo desde que foi criado", afirma.
"O efeito moral do piso regional é incentivar que alguns sindicatos forcem para cima os salários nas convenções coletivas", acrescenta Mannala. Ele conta que a categoria das empregadas domésticas foi talvez a que teve uma das maiores conquistas. "De uma hora para outra o salário de cerca de 500 mil domésticas aumentou R$ 200. Com isso, o número de diaristas tende a diminuir no Estado e a estabilidade no emprego, aumentar."
A primeira reunião do conselho que vai negociar o piso de Santa Catarina acontece hoje. No Estado, onde o mínimo regional foi adotado há dois anos, a data-base é 1º de janeiro. Em 2011, a decisão só saiu em março, mas o reajuste foi retroativo. De acordo com Moacir Rubini, presidente do Conselho Estadual de Trabalho e Emprego de Santa Catarina, o mesmo deve acontecer em 2012.
As centrais sindicais pediram um índice de reajuste igual ao nacional. As federações e o próprio governo ainda não se manifestaram para indicar qual a sua posição. "O parâmetro que temos é o Paraná. Queremos um índice próximo ao deles. Para que os valores dos pisos em SC e no PR se aproximem, negociamos esse alto índice", diz Rubini. "A orientação dada aos sindicatos é que nenhuma categoria assine acordo inferior ao piso regional, como acontece em outros Estados."
No Rio Grande do Sul, há grande chance de cair nas mãos do governador Tarso Genro (PT) a decisão sobre o mínimo regional, que hoje está em R$ 610. O Valor apurou que centrais sindicais e federações patronais divergem muito nas suas propostas de reajuste para 2012. Enquanto os empregadores querem pagar o INPC, os trabalhadores pedem 18% de reajuste - o que elevaria o piso regional para R$ 719,80.
O argumento utilizado pelas centrais é que esse aumento colocaria o piso gaúcho no mesmo patamar de valorização que ele estava em 2001, quando o mínimo do Estado era 27,7% maior que o nacional. "Há dez anos, o salário mínimo estava depreciado e o Rio Grande do Sul crescia acima da economia brasileira. Era uma soma de fatores que levava a essa diferença. Vamos tentar acordar um índice intermediário", diz Marcelo Daneres, secretário-executivo do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do Rio Grande do Sul.
Uma câmara temática que foi criada em 2011 para discutir a política de valorização salarial fez na sexta-feira a sua última reunião, que terminou sem acordo. Como as partes não chegaram a um acordo, Genro deve anunciar até quarta-feira, 14, o índice de reajuste. No Estado, o novo mínimo deve valer a partir de março, mas, antes, precisa ser aprovado na Assembleia Legislativa. "A valorização do mínimo tem garantido o crescimento do mercado interno. O piso regional é uma importante ferramenta para a distribuição de renda", afirma Daneres. Caso a opção do governador seja igualar o salário do Estado ao nacional, o reajuste necessário seria de 1,98% e o impacto na economia, de R$ 13,3 milhões.
A Secretaria de Estado da Casa Civil do Rio de Janeiro informou que o governo só irá se manifestar quando houver uma decisão a respeito do reajuste do piso regional. (Valor)

Crise frustra ganho real de salário no 2º semestre
Alta de preços e economia mais fraca limitam aumento real médio das categorias.
A alta da inflação, o agravamento da crise europeia e a desaceleração da economia brasileira barraram a expansão dos ganhos salariais acima da inflação. Levantamento preliminar do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), feito a pedido do ‘Estado’, indica que o aumento real médio das categorias com data-base no 2.º semestre tende a ficar em torno de 1,36%.
É o mesmo resultado conquistado nas campanhas salariais da primeira metade do ano, mesmo sendo o 2.º semestre o que concentra as datas-base das categorias mais organizadas do País.
O Dieese calculou o aumento real médio negociado em cerca de 40 acordos e convenções coletivas de trabalho feitas de setembro a novembro em todo o País. O levantamento incluiu as negociações comandadas por sindicatos fortes como os de metalúrgicos, bancários, químicos e petroleiros entre outros.
"Os ganhos das categorias organizadas são mais generosos, porém, boa parte dos demais puxa a média para baixo", diz José Silvestre, coordenador de relações sindicais do Dieese.
Sem surpresa. Para Fábio Romão, da LCA Consultores, não será surpresa se o aumento médio real dos salários fechar o 2.º abaixo da média do 1.º semestre. De maio a junho, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o crescimento real da renda do trabalho foi de 4% ao mês em relação a iguais períodos de 2010. Em agosto, o ganho recuou para 3,2% e zerou em setembro. O último dado disponível, de outubro, mostrou queda de 0,3%.
A questão é que o aumento da inflação reduz o poder de barganha dos sindicatos. Em janeiro, a inflação acumulada em 12 meses, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), usado como parâmetro nas negociações entre patrões e empregados, estava em 6,53%. Em agosto, bateu em 7,40%. "Quanto mais alta a inflação, mais difícil é a obtenção de aumento real de salário", diz Fábio Romão, da LCA Consultores.
Além disso, até pouco tempo atrás, o Banco Central vinha examinando com lupa os acordos coletivos feitos no País, por causa do risco inflacionário que eles poderiam embutir. A preocupação com a inflação criou outro obstáculo aos aumentos reais.
A atividade econômica teve forte desaceleração no 2.° semestre, refletindo os efeitos das medidas que o governo passou a adotar desde dezembro de 2010, para esfriar a demanda e reduzir as pressões inflacionárias. O remédio ficou ainda mais amargo depois do agravamento da crise europeia. Tanto que, agora, o governo passou a adotar novas medidas para estimular o consumo.
No início de 2011, a expectativa era de um crescimento de 4,5% a 5% para o Produto Interno Bruto (PIB). Hoje, já se fala em crescimento abaixo de 3%. "O patronato joga com isso também", frisa Silvestre.
Entre as categorias que estão sentindo isso na mesa de negociação, estão os aeronautas e aeroviários. Com a alegação de que o setor aéreo está em crise, as empresas do setor oferecem correção de apenas 3% para os salários, o que nem sequer cobre a inflação. Visando um avanço nas negociações, os sindicatos das duas categorias reduziram reajuste reivindicado de 13% para 10%. Mas as empresas não aceitaram mudar sua proposta. Para os sindicalistas, o momento é de preparação da greve no setor.
Acomodação. Para a economista Zeina Latif, a desaceleração no mercado de trabalho, com geração menor de postos de trabalho e moderação nos aumentos reais de salário, deverá se refletir de forma positiva na inflação de serviços, que está ao redor de 9%. "É provável que ocorra uma acomodação lenta dos preços dos serviços, por causa da indexação que ainda existe nesse setor", dizZeina."Quanto mais lento for o processo, menor a margem de manobra do BC para atingir a meta de inflação de 2012". (Estado)


ENTREVISTA DA 2ª PIERRE SALAMA
Contra crise, Brasil deve dinamizar seu mercado
Autor de 16 livros, Salama defende que economia brasileira é desindustrializada e muito frágil para enfrentar a crise.
O Brasil precisa enfrentar a crise internacional dinamizando o seu mercado interno, distribuindo renda e baixando os juros. A visão é do economista Pierre Salama, 69, professor emérito da Universidade de Paris 13. Doutor pela Sorbonne, ele se considera um "brasileiro de coração". Trabalhou com Celso Furtado em Paris. Na sua avaliação, o país vive um processo de desindustrialização precoce e é necessário adotar medidas protecionistas, temporárias e específicas, em relação à China.
Autor de 16 livros, a maioria traduzida para o português, ele analisa a crise europeia e advoga que a sua solução passa pelo abandono parcial da soberania dos Estados. Mas que é preciso garantir a democracia nas decisões.
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Folha - Como o sr. caracteriza a atual crise financeira no mundo e na Europa?
Pierre Salama - Ao contrário da crise dos anos 1930, essa não é uma crise sobre investimento nos países avançados, mas uma crise financeira provocada pela desregulamentação selvagem nos mercados. A crise financeira começou por uma crise de dívidas privadas. Os bancos pararam de emprestar uns aos outros e restringiram fortemente os seus empréstimos. As empresas não financeiras enfrentam uma crescente escassez de liquidez. O "credit crunch" transforma a crise financeira em crise econômica. A crise vira sistêmica e afeta até as empresas que tiveram uma gestão prudente, longe da manipulação lucrativa dos derivativos.
E o papel dos Estados? -- A intervenção do Estado para salvar o sistema bancário levou ao aumento das dívidas públicas. Não foi apenas a ajuda do Estado ao sistema financeiro que provocou o crescimento do endividamento público. Houve uma contrarrevolução fiscal, iniciada nos anos 1980, visando diminuir a carga fiscal e as receitas. Isso acentuou a regressividade do sistema e produziu uma dupla desigualdade: a) entre os salários e b) entre os salários e os rendimentos de capital. Houve queda das receitas fiscais e há dificuldade de redução das despesas públicas, particularmente das de proteção social. Houve aumento de algumas despesas públicas, como as relativas à ajuda aos desempregados e às empresas em dificuldade. Houve aumento das taxas de juros causado por spreads maiores. Isso provocou a elevação das despesas públicas por causa do serviço da dívida. A esses fatores se soma a ajuda em massa ao sistema bancário.
O que deveria ser feito? -- Sem abandono parcial da soberania dos Estados que compõem a eurozona, a moeda única está condenada. A crise da dívida soberana produziu de fato um governo franco-alemão na eurozona. Mas está sendo implementado um federalismo da pior maneira. Em nome da urgência, ele não respeita o jogo democrático. Dirigentes políticos são convocados, e a eles são ditadas as políticas econômicas a serem seguidas. Ultimatos são dados em caso de recusa. Há temor de que o jogo democrático seja exercido na sua plenitude. Os mercados financeiros buscam substituir as vontades das urnas e começam a conseguir isso. Federalismo e democracia podem ser um oxímoro se as decisões continuarem a ser tomadas por um diretório autoproclamado composto pela Alemanha e pela França. A primeira se utiliza da segunda para legitimar o seu poder, a segunda se serve da primeira para evitar uma crise financeira. É necessário um abandono parcial de soberania e as decisões políticas precisam ser tomadas democraticamente.
Qual o futuro do euro? -- Uma zona monetária não pode funcionar a longo prazo se não adotar um banco central e um governo que tome as decisões mais importantes. A eurozona não pode funcionar apenas com uma política monetária comum. A única maneira de evitar o fim do euro é consolidar as dívidas dos diferentes Estados e emitir eurobônus, o que exige uma coordenação das políticas fiscais e um abandono parcial de soberania, fazendo com que o Banco Central Europeu seja o avalista de última instância. Sem essa revolução, os Estados mais frágeis continuarão a pagar taxas de juros muito elevadas, tornando impossível o pagamento do serviço das suas dívidas. O acordo que consagra as posições da Alemanha, recusa a emissão de eurobônus e fornece controles e sanções sobre as políticas orçamentárias é insuficiente para viabilizar as condições da zona do euro a longo prazo. Mas esse acordo poderá acalmar os mercados. Até quando?
Qual deve ser o impacto dessa crise no Brasil? -- A crise atual ocorre num contexto específico: o da desindustrialização. Na Ásia, crescem o peso da indústria no PIB, o valor adicionado dos bens produzidos e o seu grau de sofisticação. No Brasil, o peso da indústria decresce de maneira relativa e o valor agregado dos produtos cai. O déficit comercial da indústria de transformação cresce, particularmente para os bens de conteúdo tecnológico médio e elevado. O Brasil triplicou o comércio com a China, mas a troca é assimétrica. A China exporta essencialmente produtos manufaturados para o Brasil e compra matérias primas. O crescimento elevado da China puxa em parte o Brasil
O Brasil está frágil? -- Com o grau elevado de abertura e o comércio cada vez mais assimétrico, o início da desindustrialização deixa muito frágil a economia brasileira em relação ao mundo. A ampliação da crise terá repercussões na economia chinesa e pode causar o contágio da brasileira. As reservas em divisas não são suficientes para resistir a fugas e, diferentemente do que na China, elas não são constituídas essencialmente por excedentes da balança comercial, mas por entradas de capital. Assim, uma parte importante se caracteriza pela sua volatilidade.
Como explicar a parada do PIB? -- A desaceleração começou desde o fim de 2010 e é mais forte do que a prevista. O Brasil vive uma desindustrialização precoce e um saldo negativo na sua balança comercial de produtos da indústria de transformação. Os gastos para melhorar a infraestrutura estão abaixo do necessário e a taxa de investimento se mantém desesperadamente modesta, 19% do PIB, especialmente se comparada à da China (46%) e outros países asiáticos (em torno de 30%). A vulnerabilidade do Brasil é menor que a do passado. Mas menor vulnerabilidade não significa menor fragilidade. As repercussões de uma crise nas economias avançadas podem ser elevadas. O Brasil pratica uma política de austeridade que pesa sobre sua taxa de crescimento. Tem mantido altas taxas de juros, embora tenham sido atenuadas. Tem tentado corrigir as políticas de valorização da moeda. Mas é insuficiente em razão da abundância de dólares.
O que o país deveria fazer sobre o mercado interno? -- Para enfrentar a ameaça da crise internacional, o Brasil deveria redinamizar seu mercado interno, como fez o presidente Lula no seu segundo mandato. Isso exige uma redução das taxas de juros, uma depreciação da moeda, uma redistribuição de renda não somente limitada aos extremamente pobres. E medidas protecionistas, direcionadas e temporárias, especialmente em relação à China. O perigo principal hoje não é tanto uma retomada da inflação, mas a aceleração da queda do PIB.
Qual deve ser a estratégia para enfrentar a crise? -- Uma política econômica eficaz deve buscar a retomada do crescimento, uma distribuição de renda menos injusta e uma inserção internacional mais positiva. O crescimento não tem sido muito elevado no médio prazo no Brasil e veio acompanhado por uma desindustrialização precoce.
A distribuição de renda é menos desigual graças principalmente ao aumento do salário mínimo, mas as desigualdades continuam num nível extremamente elevado. A inserção internacional do Brasil não é muito positiva. A exceção é o setor aeronáutico. As exportações de produtos industriais do Brasil são sobretudo de produtos de baixa tecnologia para os quais a demanda internacional não é muito dinâmica.
O que o sr. propõe? -- Uma política econômica eficaz deve reforçar o dinamismo do mercado interno. Isso pode ser feito criando facilidades de crédito a famílias.
E com distribuição de renda e uma reforma tributária. Além disso, é preciso ampliar os gastos com pesquisa e desenvolvimento para dinamizar as exportações de produtos de tecnologia.