quinta-feira, 11 de março de 2010

Leia o texto do jornal Valor Econômico a respeito das centrais sindicais

Texto divulgado pelo jornal Valor Econômico de 5 de março de 2010:

Imposto paga até 80% do orçamento das centrais

João Villaverde, de São Paulo -- 05/03/2010

Passagens aéreas, aluguel de salas em hotéis para realização de seminários, viagem de dirigentes para acompanhar conferências internacionais, compra e reforma de sedes regionais, qualificação de quadros. Foi com despesas como essas que, em 2009, as seis centrais sindicais reconhecidas pelo Ministério do Trabalho gastaram os R$ 80,9 milhões que arrecadaram com o imposto sindical. O valor foi 23% superior aos R$ 65,7 milhões transferidos às centrais em 2008.

Se o repasse deste ano receber reajuste parecido, as centrais embolsarão quase R$ 100 milhões. A fatia equivale a 10% do total arrecadado com o imposto cobrado de todos os trabalhadores formais do mercado de trabalho, equivalente a um dia de salário e que somou quase R$ 810 milhões no ano passado. Igual às pequenas prefeituras do país, o dinheiro do imposto sustenta entre 60% e 80% do orçamento das centrais sindicais.

Elas recebem diferentes partes do bolo financeiro por meio de sua maior ou menor "representatividade sindical", segundo a nomenclatura do Ministério, que as elenca por número de filiados e sua disseminação nacional. Assim, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), com os 37,8% apurados pelo governo no ano passado, ficou com a maior parcela de imposto sindical - R$ 26,7 milhões. Com menos da metade da representatividade da CUT, 13,1%, a Força Sindical, segunda colocada, recebeu fatia apenas R$ 4,1 milhões menor. A diferença entre CUT e Força, no entanto, representa quase a totalidade do que a menor central, a Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), recebeu do governo em 2009 - R$ 4,5 milhões.

O dinheiro arrecadado em março, quando há o desconto no salário dos trabalhadores, é repartido entre sindicatos (60%), confederações (20%), centrais (10%) e governo (10%). O repasse às centrais foi iniciado em 2008, depois da aprovação da Lei 11.648, que dividiu a parcela do governo referente ao arrecadado com o imposto, antes em 20%, com as seis entidades regularizadas no governo. As centrais, desde então, repetem o discurso único de que a lei, que instituiu o repasse do imposto, "finalmente reconheceu" as entidades como agentes da luta sindical.

O debate, no entanto, ainda gera polêmica. O DEM entrou, ainda no ano passado, com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF), questionando o repasse da contribuição sindical às centrais. A matéria ainda não foi plenamente julgada e, se o STF não se posicionar quanto ao assunto até o próximo mês, o repasse de 2010 estará assegurado.

Ao mesmo tempo em que se consideram no direito de ficar com parte do imposto por serem parte, de fato, da estrutura sindical, as centrais sindicais não são claras quanto ao destino que estão dando ao dinheiro que recebem. Nenhuma delas apresentou um orçamento organizado ou um balancete financeiro com real discriminação de despesas. Tampouco alguma delas permitiu o acesso do Valor a documentos que comprovassem o destino que elas informaram dar ao dinheiro que sai do bolso dos trabalhadores para suas contas bancárias.

Dona da maior fatia, a CUT mantém discurso de que o dinheiro do imposto deve ser usado para fortalecer as bases e implementar mudanças na forma de financiamento do movimento sindical. Para o presidente da entidade, Artur Henrique, o projeto de reconhecimento das centrais foi bem-sucedido, mas deve dar um passo à frente. "Não podemos ficar dependentes da contribuição, que representa uma parcela grande do orçamento das centrais. É preciso usar o próprio dinheiro do imposto para mudar o modelo de financiamento", afirma Henrique. Segundo ele, os R$ 26,7 milhões arrecadados com o imposto em 2009 representaram cerca de 60% do orçamento total da CUT, avaliado em R$ 44,4 milhões. Os outros 40% foram formados da "maneira tradicional", isto é, por meio dos repasses feitos pelos sindicatos filiados à central.

Para não depender do imposto, avalia Henrique, é preciso ampliar a base de sindicatos, além de aumentar o número de sindicalizados. De acordo com números da CUT, há cerca de 3,2 mil sindicatos ligados à central, mas só 1,9 mil estão regularizados no Ministério do Trabalho. "Há todo um trabalho de levantamento de documentos e entrada em editais do governo para regularizar esses sindicatos, que são, em sua maior parte, de servidores públicos ou ligados à trabalhadores rurais", afirma Henrique, "e essa tarefa é custeada pelo imposto sindical". Assim, avalia, o dinheiro repassado pelo Estado serve para tornar a central menos dependente do próprio Estado.

Não é essa a realidade das demais centrais. Segundo os líderes da Força, UGT, CTB e CGTB ouvidos pelo Valor, o repasse da contribuição sindical representa cerca de 80% do total arrecadado pelas entidades desde 2008. O dinheiro transferido pelo governo desde 2008 fez a União Geral dos Trabalhadores (UGT), terceira maior arrecadadora, pela primeira vez implantar um orçamento. Segundo Ricardo Patah, presidente da UGT, "toda a receita da central será alocada num documento único, que nos ajudará a organizar os gastos da central", a partir deste ano. Ao todo, afirma Patah, cerca de 40% do que é arrecadado é logo "devolvido às representações estaduais da central". Este quadro é semelhante nas outras centrais. A Nova Central Sindical dos Trabalhadores (NCST), que nos últimos dois anos recebeu ao todo R$ 18,2 milhões do Estado, foi procurada pela reportagem, mas seu presidente José Calixto não retornou os recados deixados em seu celular.

Os principais gastos são com passagens aéreas para reuniões entre dirigentes e com transporte de militantes para marchas e passeatas, normalmente em Brasília e São Paulo. Segundo Carlos Alberto Pereira, secretário-geral da CGTB, a situação melhorou a partir de 2008, tornando as marchas - e a maior participação de membros da central nelas - mais frequentes. "Nossa central viaja muito, os dirigentes executivos vão muito aos Estados para reuniões com as regionais", diz. "E conseguimos inflar marchas importantes, como a realizada em Brasília, em 1º de fevereiro, pela redução da jornada de trabalho", justifica Pereira.

Segundo ele, a CGTB mandou à Brasília cerca de 2,5 mil pessoas, sua "maior delegação para passeatas". Assim, além de passagens aéreas para dirigentes de, principalmente, São Paulo, Paraná, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul à Brasília, há gastos com carro de som, bandeiras, faixas e balões. No caso da CGTB, que repassou diretamente 30% dos R$ 3,6 milhões arrecadados com o imposto às regionais, esses gastos foram custeados com os R$ 2,5 milhões restantes.

Da mesma forma, a CTB, que recebeu R$ 1 milhão a mais que a CGTB em 2009, afirma que os principais gastos se dão com a organização de marchas. Segundo Humberto Martins, que assessora o presidente Wagner Gomes, os gastos com as manifestações do 1º de maio, por exemplo, acarretam custos "onerosos" para a central. Há contratação de empresas terceirizadas que ajudam na organização da festa, convocação de artistas e realização de shows. "Esse tipo de ato não sai barato", diz.

Para Patah, da UGT, fora os custos com aluguel do prédio onde a central está sediada em São Paulo e a manutenção, como contas de água, luz e telefone, o dinheiro oriundo da contribuição sindical serve para bancar eventos. A central, que recebe transferência na casa dos dois dígitos - em 2008, R$ 10,4 milhões; em 2009, R$ 13,6 milhões - fica com 60% e 40% são direcionados às regionais. "Realizamos dez seminários nacionais no ano passado", diz Patah.

Entre eles, debates sobre o ambiente, economia brasileira, comunicação e cem anos de sindicalismo. "Isso tudo custa dinheiro. Além de aluguel do espaço, tem passagens, hospedagem e alimentação para os convidados e para os sindicalistas de outros Estados", afirma. Além disso, a UGT passou a realizar plenárias executivas a cada três meses unindo dirigentes de todas as regionais. A nona plenária, mais recente, foi realizada na semana passada, em São Paulo.

"Os gastos são estratégicos para a central. Conseguimos levar membros da UGT para a conferência do clima em Copenhague [Dinamarca, dezembro de 2009], além de cursos de qualificação de quadros e melhora de nossa comunicação interna e externa, por meio de um jornal com 400 mil exemplares", afirma o presidente da UGT, que esteve, ao lado de uma comitiva de sindicalistas na Dinamarca, três meses atrás. Patah voltou ontem da Itália, onde visitou sindicatos e centrais pelo país.

A Força Sindical aproveitou boa parte do dinheiro referente ao repasse do Estado nos últimos dois anos para comprar ou reformar sedes regionais. Segundo João Carlos Gonçalves, o Juruna, secretário-geral, o equivalente a 40% do total - cerca de R$ 7,1 milhões em 2008 e R$ 9,1 milhões em 2009 - é distribuído às regionais.

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